sábado, 20 de setembro de 2008

Lacuna

Daqui observo meu sobrinho brincando com seus carrinhos na minha cama. É isso que ele faz: dá sentido às suas emoções através das brincadeiras. Ganha doces, é coberto todas as noites antes de dormir, controla a direção dos seus carrinhos com a mais pura autonomia de quem vira sua vida leve pro lado que bem entende, quando quiser.

É nos dado o mesmo poder, quando pequenos e em todo o depois. Não podemos nem mais nem menos, apenas diferentemente.

É aconselhável não fazer promessas à crianças. Muitas vezes elas podem não cobrar explicitamente, mas lá no íntimo delas haverá sempre a lacuna do que foi prometido: não cumprido. É com medo de fazer parte desta lacuna que não prometo o que não está ao alcance, não só às crianças.

Infelizmente é normal não cumprir promessas a quem já não é criança. Porque presume-se aquele pensamento de "Ah, ele(a) nem vai ligar, logo esquecerá, ficará bem". É, pessoas ficam bem, mas nem tudo fica. Há sim, lacunas.

A diferença entre os poderes não é a óbvia, de que crianças lembram e os demais superam. A diferença é que todos somos crianças e adultos para coisas diferentes. Há pessoas que exercem uma praticidade enorme nos sentimentos, passando por cima do que for simplesmente em nome de suas convicções. Tão logo existem os que guardam as lacunas dentro de si sim, a fim de cobrar à cada olhar, à cada desvio de olhar, à cada lembrança de olhar.

Queria eu girar minha vida com a mesma facilidade com que meu sobrinho manobra um carrinho. Ao desviar dos obstáculos, conseguir deixar tudo para trás, todos os sentimentos de lado, como quem tira uma farpa do dedo. "Mas não sou mais Tão criança a ponto de saber tudo" - Renato Russo.

Texto criado em 28/8/08, digitado em 20/9/08.